REPUBLICO ESTE TEXTO, de 2015, por se manterem válidas muitas das apreciações que então aqui deixei. Era ministro da educação Nuno Crato, e Passos Coelho o PM. A Nuno Crato, em 2015, sucedeu durante menos de um mês (30/10 a 26/11) uma senhora de que quase ninguém se lembrará: Margarida Isabel Mano Tavares Simões Lopes, professora. E seguiu-se-lhe o actual, Tiago Brandão Rodrigues, com os resultados que conhecemos.
«Esta semana os principais assuntos abordados e escalpelizados pelos meios de comunicação foram a candidatura de Figo à presidência da FIFA; a decisão dos partidos da oposição em chamar Cavaco Silva a depor na Comissão de Inquérito ao caso BES e que teve de Cavaco a resposta que todos esperariam; a deselegância para com um homólogo e a consequente falta de sentido de Estado do PM ao comparar o programa do Syriza a um “conto de crianças” (historinhas para adormecer tem andado Passos Coelho a contar aos portugueses); e, por fim, a polémica causada pelo elevado número de reprovações e de erros ortográficos dados pelos candidatos ao ensino na prova ad hoc realizada em Dezembro.
É esta última questão que me merece algumas considerações, desde logo porque o tema ‘Ensino’ será porventura aquele em que me sinto mais apetrechado para discorrer com conhecimento de causa.
Entende-se como natural que as pessoas, lendo que 20% dos candidatos deram 5 ou mais erros de ortografia, aprovem a necessidade e a bondade da prova. Os números divulgados ajudam o ministro quando este insiste na tecla de que a prova visa dignificar a carreira de docente e a melhoria do ensino, como se todos estes candidatos, com menos de 5 anos de serviço (!), possam vir, seguramente, a ingressar na carreira. Reside, pois, aqui a primeira grande mentira.
A prova chama-se “Prova de Avaliação, Conhecimentos e Capacidades” (PACC) e inclui, para além de questões de raciocínio lógico habituais em testes psicológicos ou nos livrinhos de bolso de “Problemas Lógicos”, uma redacção de um texto com 250 a 350 palavras. Destina-se a todos os candidatos, sejam eles professores de Português ou de Educação Física ou Musical. Uma outra, específica, virá depois para os aprovados. Embora o ministério tenha por máxima que qualquer professor deve ser potencialmente professor de português, é evidente que a um docente que lida mais com números, exercícios físicos ou artes visuais ou musicais o grau de exigência no que respeita à escrita da língua é menor do que deve ocorrer com professores de línguas, de História ou mesmo de Geografia, Ciências ou Filosofia. É a segunda mentira desta prova.
O que se avalia? Que conhecimentos? Que capacidades? A capacidade de escrita e de resolver problemas de algibeira que se podem encontrar no Almanaque Bertrand? Em termos pedagógicos, de capacidade de liderança de um grupo, de capacidade de diálogo e de motivação na sala de aula, esta prova não avalia coisa nenhuma. É a terceira mentira.
Mas, já que é tão importante para o ministério só fazer aprovar quem dá menos de 5 erros ortográficos e é capaz de fazer uma redacção, bom seria que o ensino básico voltasse aos velhos ditados e que novas metas curriculares do básico fossem introduzidas tendo como objectivo não o “fabrico” apressado de mais gente com a escolaridade obrigatória feita, mas sim gente que saiba mais através de um ensino mais aprofundado e exigente da língua. E, já agora, que os senhores professores das escolas superiores de educação fossem obrigados a um curso de reciclagem de conhecimentos. É que reside também aqui a origem do problema.
Finalmente, e para que a prova tenha pelo menos um ar de alguma credibilidade, que a mesma não contenha perguntas a que gente das Letras, de jornalistas e advogados a professores universitários de Faculdades de Letras, confessaram grande dificuldade em interpretar e, em consequência, responder com acerto.
E, por favor, senhores autores da prova, não se pode perguntar “… quanto tempo está previsto demorar a EVACUAÇÃO DOS PASSAGEIROS…”! É que, meus senhores, só os lugares são evacuados, não as pessoas. Estas, evacuam, sim, as fezes!
Que vergonha, senhores, que vergonha!…»
- um texto de opinião de Jorge P. Guedes, 31 Jan 2015 (Por opção, não escrevo segundo o mais recente A.O.)